Pedro Careca
Existia na cidade
de Sumidouro, um pouco longe, um pequeno bodegueiro que nunca ia para frente
nos seus negócios. Porém nunca desistia. Dizia que era mau olhado ou algum trabalho
feito para acabar com seu negócio. Era desses cabras que acreditava em tudo que
lhe dissesse. Só vivia na picuinha.
Bodega de três
portas estreitas como comumente são essas casas do interior ou do tempo antigo.
Tempos passados, tinha sido uma farmácia homeopática do seu Florentino, homem
metido a todos os afazeres que lembrasse doença ou saúde. Havia herdado o ponto de um tio que o criara,
num tempo de seca medonha, quase abandonado pelos pais que não possuía meios
para criar mais um bruguelo.
Na frente da
bodega, entre uma porta e outra, nunca faltava três potes com arruda, pinhão
roxo e espada de São Jorge. Dentro da desarrumada e meio suja mercearia, não
faltava uma vela de sete dias, acesa tendo como castiçal uma lata de tinta toda
borrada pelo escorrimento da cera, formando uma verdadeira estalactite colorida;
porque para cada santo que oferecia tinha uma cor diferente; a vela ficava trepada
numa prateleira numa certa altura e no canto esquerdo para evitar que os ventos
ou os olhares estanhos a apagasse.
Lá para os fundos
ficava sua morada, oficina e depósito das mercadorias que nunca vendia. No
quintal um pé de tamarindo, bananeiras, latas cheias de terra com mudas de
ervas para chá e mau olhado. O cachorro Pereba, sempre zangado e impedido de ir
para frente, latia com todos que entrasse no comércio do seu patrão.
Pedro Careca, era
um homem de altura média dos nordestinos, alvo, barriga acentuada que impedia
de afivelar o cinturão. Camisa aberta ao peito, apenas abotoado pelo último
botão, calça arregaçada como se tivesse passado nalgum riacho. Nos pés um par
de alpercatas de sola e na cabeça, para encobrir a carecona, um tipo de boné
jogado à toa sobre os restos de cabelos grisalhos.
Vendia de tudo,
ou pelo menos tentava. E nas horas vagas ou sem freguês, coisa que acontecia
sempre, fabricava bugigangas. Do abano até candeeiro de flandres aproveitado de
latas de óleo. De madeira, fazia carrinhos, mamulengos, porta toalhas. De barro,
fabricava um bocado de utensílios para cozinha e até cachimbo.
Bastava alguém
chegar perguntando se tinha tal objeto para vender ele dava logo uma resposta plausível.
Tá para chegar semana que vem. Metia a ideia na cabeça e ia fabricar a tal
peça. A pessoa nunca mais voltava para procurar o objeto e o estoque aumentava
cada vez mais.
Algum dia aparece
um filho da égua que goste disso, - dizia sempre que se lembrava da encomenda
esquecida.
A bodega se enchia
de trastes inúteis; se esvaziava de freguês e de dinheiro.
A cidade se
espichara e a pobre bodega foi ficando para trás. Ontem era uma das ruas
principais, hoje era arrabalde. Por isso na vendia quase nada. Bairro das
pessoas mais longe do dinheiro.
- Bom dia seu
Pedro, como vão as coisas?
- Não sei por que
pergunta, seu Lourival – este tinha sido realmente criado pela vó *. Não tá
vendo a grande freguesia, não?
- Ave maria, não
precisa me morder não, homem!
- Todo dia me vem
com a mesmice besteira de saber da minha vida e do meu negócio, como quisesse
ajudar ou fazer algum milagre.
- Não homem de
Deus, não é que essa noite tive um sonho com o senhor e sua fábrica de peças.
Coisa engraçada, via direitinho tudo o que vou lhe contar. O senhor contratava
um magote de meninos e mandava de um em um perguntar pelas outras mercearias da
cidade, se tinha, - vamos supor: cachimbo de barro; já que o senhor tem uma
grade quantidade. No outro dia mandava outro menino fazer as mesmas perguntas
nas mesmas casas e as mesmas pessoas, aconselhava que desse preferência ao dono
ou gerente. Depois de uma semana o senhor arranjava um cabra mais vistoso e
mandava oferecer a cuja dita mercadoria. No sonho via que vendia todos os seus
inventos e as coisas, na sua vida, ficavam uma maravilha!
- Ou homem besta,
vá pra lá com esse teu sonho de ilusão.
- Pois tá bom se
não acredita vou desparecer noutro canto onde sou mais aceitável.
Essa noite Pedro
Careca não dormiu, só pensando no sonho do Lourival. Será que dava certo, ou ia
só se lascar de raiva e ainda por cima ter que pagar a molecada para mentir.
Passou uma semana e a ideia continuava a perseguir para onde andasse ou
pensasse.
Foi até a Rua do
Emboca, que ficava por trás do seu prédio, e chamou seis meninos entre oito a
dez anos para uma conversa na sua casa comercial logo depois do almoço.
- Bem, hoje é
segunda feira quero que vocês todos os dias dessa semana saiam à rua procurando
todas as mercearias ou outros tipos de comércios que vendam as coisas parecidas
com as da minha loja. Não saiam juntos, tem
de ser separados um dos outros para ninguém desconfiar do que vou pedir para
fazer. Hoje mesmo vão procurar nesses pontos de venda se tem esses artefatos
que produzo. Na volta darei a cada qual dois reais.
Pedrinho, diga
que foi seu pai, tio ou avô que mandou saber o preço de cachimbo de barro.
Zezinho, vai
perguntar se tem abano de palha feita do milho para sua mãe.
Abel, pergunta
quanto custa cofre de barro.
Chiquinho, vai se
interessar por pegador de brasa.
Adelmo, saia a
procura de fogareiro de lata de querosene.
Júca, que é o
mais velho, diz que quer aprender tocar berimbau.
Podem passar nas
mesmas lojas não tem importância. Todos os dias façam a mesma coisa, a mesma
conversa, porém, vão trocando os tipos de objetos entre vocês para os donos das
bodegas não desconfiarem.
Duas semanas
desse rojão com a meninada, achou que já era tempo de mandar um vendedor
oferecer seus produtos encalhados.
Contratou
Dioclecio, que já tinha trabalhado na padaria de seu Germano e vendido pão e
bolacha pelas ruas na bicicleta de três rodas. Montou um carro feito de banda
de geladeira, com todas as bugigangas do seu estoque, danou uma buzina de
borracha cromada que tinha tirado da velha bicicleta e mandou o sujeito ganhar
o mundo oferecendo nas mesmas lojas que os meninos já tinham passado.
Seis horas da
noite, chega de volta o Dioclecio na porta da Casa São Judas número 13, onde
encontra seu Pedro sentado num tamborete pé de priquito, ansiosamente a espera
do seu vendedor.
Quando viu a
carroça meio vazia, perguntou:
- Foi roubado?
- Não senhor,
vendi quase tudo. Vamos fazer as contas.
Nunca mais deixou
de inventar seus piquaios e nem parou de usar o método do sonho de seu
Lourival. Vivia arrodeados dos meninos, seus secretários e o seu vendedor
preferido. Nunca mais faltou dinheiro para todos que trabalhavam no serviço de
divulgação e venda do Empório do Careca.
25/08/23
Carijalva
*(Quando pulou da barriga - escritor pobre sai
da barriga e não da cabeça as ideias -, o nome de Lourival, me lembrei dessa
música cantado por Linda Batista no ano de 1945 de autoria de Marabá.)
O Lourival sempre
foi abobalhado.
Dele até eu tenho
dó.
Sabe por que
Ele é assim,
minha gente?
Porque foi criado
com vó. (bis)
O Lourival sempre
foi assim,
Cheio de dengo,
cheio de mágoa.
Toma café e depois
de algum tempo
Ele pergunta:
"Vovó, eu
posso beber água?"
Pode, pode, pode,
Lourival!
Beber água não
faz mal! (bis)