sábado, 17 de fevereiro de 2024

SOU RICO NA PARAÍBA - BLOG DO GRIJALVA MARACAJÁ HENRIQUES CONTANDO HISTÓRIAS

 

SOU RICO NA PARAÍBA

 

Zé Cilibrina, cabra metido a namorador, ainda novo, lá pelos dezesseis anos mal vividos. Vivia às custas dos pais e de vez enquando, trabalhava pegando um bico aqui e acola no município de Jardim Ceará. Seu pai desde cedo lutava nos trabalhos dos engenhos de rapaduras que ali tinha demais.

O bicho arranjou uma namorada das bandas da rua, Cacete Armado. Lugar onde após o sol se pôr por cima das Cacimbas, o pau sempre quebrava. Tinha sempre famílias honestas e honradas morando nas vizinhanças. Mas, fama é fama. Muitas mocinhas desmanteladas tiravam onda de “Flor do meu Bairro”.

Porém, seu Marcolino e dona Juventina, batiam o pé e não aceitava aquela história de ter uma nora nascida e batizada num ambiente de tanta promiscuidade. Onde a cana, a zinebra, o vinho de jurubeba, o aluá e até a famosa gengibirra se esparramava pelos becos fecundos e infinitos, alegrando, no começo e depois vinha os acertos de contas dos desatinos relembrados.

Como podia uma moça criada nesse meio ser uma boa esposa. Não! Tinha que tirar Cilibra, como era carinhosamente chamado pelos familiares, desse abismo incomensurável.

Todas as noites, após os labores da luta improfícuas na terra mãe, ia até a bica mais próxima, se banhava na cabeça e os pés, comia um arrozinho, às vezes com pequi e se danava para a rua, a procura do seu amor.

O danado do menino tinha um medo de alma condenado, aí sua tia Jurbeli, teve uma ideia macabra.

- Pessoal, vamos preparar um medo nesse danado que nunca mais ele sai à noite.

Todos acharam uma boa ideia, por enquanto.

Seu Marcolino combinou que na volta da rua iria ficar de tocai na vereda, em baixo de uns pés de burras leiteiras, mulungus, seriguelas, dos dois lados, formando de dia uma boa sombra, mas a noite, para o medroso era temeroso passar sem se benzer e rezar um Pai Nosso e uma Ave Maria para o Padim Cíço. Até diziam que ali, em tempos passados um cabra havia morrido de uma queda de burra que empancou e cismou em passar, como diz a história que animal vê alma de outro mundo.

 Seu Marcolino na hora determinada, desceu para o local assombrado, vestido por cima da roupa um lençol branco, um velho chapéu preto e ficou a escuta do filho querido.

Cilibrina depois dos arrochos na namorada, agoniado pela hora avançada, partia, meio cismado, em direção a casa velha amarela dos pais. Ao se aproximar do local fatídico, começou logo a rezar debulhando seu rosário azul e branco comprado em Juazeiro. No local onde era, diziam que antigamente existia uma velha cruz, fechava os olhos e de peito aberto, respirando forte, acelerou os passos, quando de repente, seu pai sai de trás dos troncos velhos e enrugados, fazendo um latomia dos infernos.

O cabra cai de joelhos e grita:

- Não me mate, sou rico na Paraíba e tenho um caminhão rodando no sul.

 

 

domingo, 4 de fevereiro de 2024

UM AMIGO DE INFÂNCIA

 

UM AMIGO DE INFÂNCIA

Do livro Memórias e Memórias Inacabadas de Humberto de Campos.

                NO dia seguinte ao da mudança para a nossa pequena casa dos Campos, em Parnaíba, em 1896, toda cheirando ainda a cal, a tinta e a barro fresco, ofereceu-me a natureza, ali, um amigo. Entrava eu no banheiro tosco, próximo ao poço, quando os meus olhos descobriram no chão, no interstício das pedras grosseiras que o calçavam, uma castanha de caju que acabava de rebentar, inchada, no desejo vegetal de ser árvore. Dobrado sobre si mesmo o caule parecia mais um verme, um caramujo a carregar a sua casca do que uma planta em eclosão. A castanha guardava, ainda, as duas primeiras folhas úmidas e avermelhadas, as quais eram como duas joias flexíveis que tentassem fugir do seu cofre. – Mamãe, olhe o que eu achei! – grito, contente, sustendo na concha das mãos curtas e ásperas o monstrengo que ainda sonhava com o sol e com a vida. – Planta, meu filho... Vai plantar... Planta no fundo do quintal, longe da cerca... Precipito-me, feliz, com a minha castanha viva. A trinta ou quarenta metros da casa, estaco. Faço com as mãos uma pequena cova, enterro aí o projeto de árvore, cerco-o de pedaços de tijolo e telha. Rego-o. Protejo-o contra a fome dos pintos e a irreverência das galinhas. Todas as manhãs, ao lavar o rosto, é sobre ele que tomba a água dessa ablução alegre. Acompanho com afeto a multiplicação das suas folhas tenras. Vejo-as mudar de cor, na evolução natural da clorofila. E cada uma, estirada e limpa, é como uma língua verde móbil, a agradecer-me o cuidado que lhe dispenso, o carinho que lhe voto, a água gostosa que lhe dou. O meu cajueiro sobe, desenvolve-se, prospera. Eu cresço, mas ele cresce mais rapidamente do que eu. Passado um ano, estamos do mesmo tamanho. Perfilamo-nos um junto do outro, para ver qual é mais alto. É uma árvore adolescente, elegante, graciosa. Quando eu completo doze 136 Humberto de Campos anos, ele já me sustenta nos seus primeiros galhos. Mais uns meses e vou subindo, experimentando a sua resistência. Ele se balança comigo como um gigante jovem que embalasse nos braços o seu irmão de leite. Até que, um dia, seguro da sua rijeza hercúlea, não o deixo mais. Promovo-o a mastro do meu navio, e, todas as tardes, lhe subo ao galho mais empinado onde, com o braço esquerdo cingindo o caule forte, de pé, solto, alto e sonoro, o canto melancólico da Chegança, que é, por esse tempo, a festa popular mais famosa de Parnaíba: Assobe, assobe, gajeiro, naquele tope real... Para ver se tu avistas, Otolina, Areias de Portugal! Mão direita aberta sobre os olhos como quem devassa o horizonte equóreo, mas devassando, na verdade, apenas os quintais vizinhos, as vacas do curral de Dona Páscoa e os jumentos do sr. Antônio Santeiro, eu próprio respondo, com minha voz gritada, que a ventania arrasta para longe, rasgando-a, como uma camisa de som, nas palmas dos coqueiros e nas estacas das cercas velhas, enfeitadas de melão São Caetano: Alvíssaras, meu capitão, Meu capitão-general! Que avistei terras de Espanha, Otolina, Areias de Portugal! A memória fresca e límpida reproduz, uma a uma, fielmente, todas as passagens épicas, todas as canções melancólicas e singelas da velha lenda marítima com que o majestoso mulato Benedito Guariba, uma vez por ano, à frente dos seus caboclos improvisados em marujos portugueses, alvoroça as ruas arenosas da Parnaíba. O vento forte, vindo das bandas da Amarração, dá-me a impressão de brisa do oceano largo. O meu camisão branco, de menino da roça, paneja, estalando, como uma bandeira solta. O cajueiro novo, oscilando comigo, dá-me a sensação de um mastro erguido nas ondas. E eu, sugestionado pela imaginação, via – eu via! – as vagas Memórias 137 rolando diante de mim, na curva do horizonte, onde o céu e o mar se beijam e misturam, as terras claras de Espanha, e areias de Portugal. Pouco a pouco, a noite vem descendo. Um véu de cinza envolve docemente os coqueiros dos quintais próximos. Os bezerros de Dona Páscoa berram com mais tristeza. As vacas, apartadas deles, respondem com mais saudade. Os jumentos do sr. Antônio Santeiro zurram as cinco vogais e o estribilho ipsilon marcando sonoramente as seis horas. Os do sr. Antônio de Monte, ao longe, conferem e confirmam o zurro, o focinho para o alto, olhando o milho de ouro das primeiras estrelas. E eu, gajeiro de uma nau ancorada na terra, desço, tristemente, do folhudo mastro do meu cajueiro, sonhando com o oceano alto, invejando a vida tormentosa dos marinheiros perdidos, que não tinham, pelo menos, a obrigação de estudar, à luz de um lampião de querosene, a lição do dia seguinte. Aos treze anos da minha idade, e três da sua, separamo-nos, o meu cajueiro e eu. Embarco para o Maranhão, e ele fica. Na hora, porém, de deixar a casa, vou levar-lhe o meu adeus. Abraçando-me ao seu tronco, aperto-o de encontro ao meu peito. A resina transparente e cheirosa correlhe do caule ferido. Na ponta dos ramos mais altos abotoam os primeiros cachos de flores miúdas e arroxeadas como pequeninas unhas de crianças com frio. – Adeus, meu cajueiro! Até à volta! Ele não diz nada, e eu me vou embora. Da esquina da rua, olho ainda, por cima da cerca, a sua folha mais alta, pequenino lenço verde agitado em despedida. E estou em São Luís, homem-menino, lutando pela vida, enrijando o corpo no trabalho bruto e fortalecendo a alma no sofrimento, quando recebo uma comprida lata de folha acompanhando uma carta de minha mãe: “Receberás com esta uma pequena lata de doce de caju, em calda. São os primeiros cajus do teu cajueiro. São deliciosos, e ele te manda lembranças...” há, se bem me lembro, uns versos de Kipling, em que o Oceano, o Vento e a Floresta palestram e blasfemam. E o mais desgraçado dos três é a Floresta, porque, enquanto as ondas e as rajadas percorrem terras e costas, ela, agrilhoada ao solo com as raízes das árvores, braceja, grita, esgrime com os galhos furiosos, e não pode fugir nem viajar... Recebendo a carta de minha mãe, choro, sozinho. Choro, pela delicadeza da sua ideia. 138 Humberto de Campos E choro, sobretudo, com inveja do meu cajueiro. Por que não tivera eu, também, raízes como ele, para me não afastar nunca, jamais, do quintal em que havíamos crescido juntos, da terra em que eu, ignorando que o era, havia sido feliz? Volto, porém. O meu cajueiro estende, agora, os braços, na ânsia cristã de dar sombra a tudo. A resina corre-lhe do tronco mas ele se embala, contente, à música dos mesmos ventos amigos. Os seus galhos mais baixos formam cadeiras que oferece às crianças. Tem flores para os insetos faiscantes e frutos de ouro pálido para as pipiras morenas. É um cajueiro moço e robusto. Está em toda a força e em toda a glória ingênua da sua existência vegetal. Um ano mais, e parto novamente. Outra despedida; outro adeus mais surdo, e mais triste: – Adeus, meu cajueiro! O mundo toma-me nos seus braços titânicos, arrepiados de espinhos. Diverte-se comigo como a filha do rei de Brobdingnag com a fragilidade do capitão Gulliver. O monstro maltrata-me, fere-me, tortura-me. E eu, quase morto, regresso a Parnaíba, volto a ver minha casa, e a rever o meu amigo. – Meu cajueiro, aqui estou! Mas ele não me conhece mais. Eu estou homem: ele está velho. A enfermidade cava-me o rosto, altera-me a fisionomia, modifica-me o tom da voz. Ele está imenso e escuro. Os seus galhos ultrapassam a cerca e vão dar sombra, na rua, às cabras cansadas, aos mendigos sem pouso, às galinhas sem dono... Quero abraçá-lo, e já não posso. Em torno ao seu tronco fizeram um cercado estreito. No cercado imundo, mergulhado na lama, ressona um porco... Ao perfume suave da flor, ao cheiro agreste do fruto, sucederam, em baixo, a vasa e a podridão! – Adeus, meu cajueiro! E lá me vou outra vez e para sempre, pelo mundo largo, onde hoje vivo, como ele, com os pés na lama, dando, às vezes, sombra aos porcos, mas, também, às vezes, doirado de sol lá em cima, oferecendo frutos aos pássaros e pólen ao vento, e, no milagre divino do meu sonho, sangrando resina cheirosa, com o espírito enfeitado de flores que o vento leva, e o coração, aqui dentro, cheio de mel, e todo ressoante de abelhas...

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

BLOGO DO GRIJALVA - CADERNO DO AGRICULTOR - O CAJUEIRO - Agº. JOÃO HENRIQES

 

CADERNO DO AGRICULTOR

O CAJUEIRO

Agrº. João Henriques

O cajueiro é uma das plantas mais belas e mais úteis da flora tropical. Nativo nas zonas costeiras nordestinas, propagou-se pelo interior, sobretudo levado pelos índios cariris e outras tribos que migravam pelo litoral na época das safras desse excelente fruto. Aliás, o fruto verdadeiro é a castanha.

Dentre as numerosas utilidades do cajueiro, enumeraremos as seguintes, bastante para definir o seu valor. A castanha nos dá a amêndoas, alimento dos mais ricos, produz óleo comestível e de sua casca extrai-se outro tipo de óleo de valor industrial. O caju, além de ser um fruto de excelente paladar, contendo, sobretudo alto teor de vitaminas C e sais minerais, dele se retira o suco, para o preparo da afamada cajuína, fabricação de vinhos e licores.

Da polpa fabrica-se doce apreciadíssimos. E quando não é utilizado para esse fim, é empregada como forragem ou na fertilização das terras.

A árvore serve para magnífica arborização dos campos e pátios das fazendas, presta-se para estacas vivas, produz lenha e ainda é a árvore ideal para plantio de pimenta do reino, infelizmente, tão pouco cultivada entre nós. Serve, igualmente, de arrimo nas plantações de maracujá. A resina é empregada, na roça, como sucedâneo da goma arábica. Por outro lado, é planta medicinal e, portanto, totalmente aproveitável da raiz à sobra que nos dá.

A Paraíba e o Ceará que industrializam intensamente o caju, tem realizado grandes plantações maciças, com êxito excepcional. Atualmente em Alagoas, fundou-se a primeira fábrica para aproveitamento das castanhas e, segundo estamos informados, surpreendentemente, essa nova indústria já adquiriu durante a safra que termina, mais de 700 toneladas de castanha. Aparentemente isso, deveria parecer impossível, mas aí está o grande valor de uma iniciativa.

A cooperativa da colonização de Penedo está intensificando a plantação de cajueiros, utilizando sementes selecionadas. Ali já se observam cajueiros em f formação, como início da campanha que a Cooperativa está fazendo para implantação de indústria de aproveitamento de frutas tropicais, As zonas dos municípios de Igreja Nova, São Sebastião, Junqueiro, Arapiraca e outas áreas circunvizinhas em direção norte e oeste, são excelentes para a produção de caju. Vamos, pois, intensificar a cultura dessa planta tradicional, útil e amiga.

 

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

PROMESSA É PROMESSA - GRIJALVA MARACAJÁ HENRIQUES - BLOG CONTANDO HISTÓRIAS

 

José Peregrino era um rapaz pacato, atencioso, trabalhador e bom filho. Morava num povoado chamado Carrapicho à beira de um grande rio. Porém, muito acanhada no seu desenvolvimento econômico e social, o que sempre acontece com essas cidades que são satélites de outras mais desenvolvidas.

O cara era muito estudioso e sempre sonhava em ser bancário; Banco do Brasil e Banco do Nordeste, os dois melhores empregos que existiam por aquelas bandas.

Estudava dia e noite nas Apostilas vendidas nos Correios, onde todos os anos adequaria as atualizadas, esperando os concursos dos dois bancos. Sempre era reprovado. Mas, não desistia do seu grande sonho.

Os amigos os chamavam para participara de festinhas, bate-papos no coreto da pracinha.  Achavam que o cabra era abilolado. Não tinha acordo, não tinha tempo nem para namorar. Tinha que estudar para os concursos que já estavam sendo novamente anunciado pelas rádios da região.

Seu pai artesão de cerâmica sempre contradizia essa sua mania.

- Filho. Venha me ajudar a amassar o barro e aprender uma arte honesta. Essa mania de viver com a cara metida nesses livros não vai levar a lugar algum. Precisamos aumenta a nossa produção e eu sozinho com sua mãe não estamos mais aguentando. De vez enquanto dava na veneta e participava na olaria nos serviços mais pesados, não tinha aprendido a arte dos pais. Modelagem de jarros, quartinhas, potes, comedores para aves, alguidares de todos tamanhos e mais uma infinidade utensílios tirado do barro amarelado da região. Era um dos mais procurados pelo bom acabamento.

Sempre ouvia dos colegas e da família que tivesse mais fé em Deus e nos santos. Sua mãe sempre rezava e aconselhava sobre esse assunto religioso e a importância da fé naqueles que as pessoas não veem, porém existem de verdade.

- Meu filho, tome meus conselhos vá procurar o frei Simão lá em Penedo, converse com ele, se confesse, conte seus sonhos de vida. Ele é um homem muito sábio, quase um milagreiro.

Peregrino, pegou uma lancha, atravessou o rio e foi bater na igreja Nossa Senhora da Corrente. Entrou e sentou-se num dos bancos antigos, esperando que alguém aparecesse. Certo tempo depois, aparece uma senhora vindo lá dos fundos com um espanador, limpando as imagens nos seus nichos.

- Minha senhora eu queria falar com o frei Simão, ele está?

- Está terminando suas obrigações e daqui a pouco aparece. Sente-se aí e espere.

Logo mais aparece um sujeito muito esquisito, vestindo uma batina marrom, de cavanhaque ruivo, careca de cima a baixo, uns olhos esbugalhados, alpercatas de couro, um rosário do tamanho do mundo amarrado na cintura.

- Pronto frei Simão, esse rapaz que falar com o senhor.

- Diga meu filho o que deseja?

- Minha mãe mandou que eu viesse falar com o senhor sobre como fazer uma promessa. Estou estudando para concurso dos bancos há muito tempo e ainda não consegui êxito. Aí minha mãe que sempre se confessa com o senhor e pediu que eu falasse contando meus sonhos de trabalhar em banco para ver se Deus me ajudava a passar nas provas.

-  Vá ali para o confessionário!

Peregrino continuou sua vida do mesmo jeito. Estudos, olaria e agora não perdia uma missa na igreja do Frei Simão.

 Até que enfim marcaram o dia do novo concurso. O cabra preparou-se logo cedo e partiu para a cidade vizinha onde seria realizado as provas. Mês depois saiu o resultado.

Aprovado!!!

O cabra quase endoidece de tanta alegria, saía gritando sua vitória. De casa em casa, de rua em rua. Todos davam parabéns pela vitória depois de tantas derrotas.

O tempo foi passando e as pessoas logo se esqueceram da vida de Peregrino. O homem desaparecera das ruas e da vida na vila de Carrapicho Estrelado. Todos pensavam que tinha sido nomeado para uma cidade longe, fora do Estado talvez.

Benevides, antigo amigo e as vezes crítico e metido a gaiato, um dia foi passar uma semana na capital Maceió e participar do conhecido banho de mar a fantasia, festa realizada no carnaval.

Como todo turista, Benevides, após a ressaca da festa, começou a visitar os pontos importantes da cidade. Praias, Lagoas, monumentos, prédios governamentais, suas igrejas e conventos.

Entra no Convento Sagrado Coração de Jesus, convento dos Capuchinhos, que estava completamente vazia e num silencio sepulcral. Senta-se num dos bancos e fica orando com os olhos fechados. De repente ouve passos arrastados e abre os olhos. Depara-se com um frade de batina marrom, barba fechada, cabisbaixo e agarrado num rosário enorme, debulhando as Ave-Marias e os Pais-Nossos. Ao se aproximar mais um pouco, Benevides tem um susto medonho ao ver aquela cara.

- Peregrino, é você meu amigo ou estou sonhando acordado?

O frade que estava muito compenetrado, também se assustou com a indagação. Virando-se em direção ao banco onde se encontrava Benevides disse.

- Meu velho amigo, o que o trazes aqui? Sou eu mesmo!

- Mas homem, o que está fazendo nessa batina, e o banco?

Apertaram as mãos e o frade sentou-se ao lado do amigo.

- É uma história difícil de contar. Minha mãe pediu que fosse me confessar com o frei Simão e contasse sobre minha situação nos estudos.

Ele muito gentilmente disse que era falta de fé e que eu fizesse uma promessa muito difícil de pagar para alcançar minha graça. Assim fiz!

Prometi a meu Deus, a Nossa Senhora e ao Santo Antônio de Pádua que se passasse no concurso eu iria virar frade e aí está a promessa cumprida. Promessa é promessa!

 

 

 

 

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

IDALINA CONTO DE JOÃO HENRIQUES DA SILVA


 

 IDALINA

 

Idalina era a menina mais triste da pensão de dona Marialva. Olhava para as pessoas como se estivesse com vontade de chorar. Quando lhe perguntavam o motivo, respondia invariavelmente:

- Nada, nada não!

Nunca se vira uma beleza tão triste. E por isto mesmo era Idalina a atração daquela casa de mulheres. Todos que a viam desejavam saber por que uma menina tão nova ainda e bonita como era, podia ser tão triste. Uma tristeza comovente. A tristeza passeava nos olhos de Idalina como um cisne sozinho num lago, solitário. E os frequentadores da Pensão, juraram descobrir a causa. Saía com um, saía com outro e todos procuravam entrar-lhe de alma adentro para descobrir o segredo.

- Nada não, gente. É porque sou assim mesmo. Nasci assim, com este ar de tristeza.

Para uma mariposa, aquela tristeza, infinda era inexplicável. E nem se podia compreender como se atrevera uma pessoa tão triste, vir para o ambiente das mulheres alegres. Um verdadeiro contra senso. Mas a verdade é que Idalina estava ali e era tão disputada. E também nunca se tinha visto tanta beleza nuns olhos tão tristes. E nem jamais a tristeza dera tanta sorte a uma criatura de vida livre.

Idalina passou a ser conhecida pela menina dos olhos tristes. Todas as outras mulheres foram se enchendo de ciúmes por Idalina. Porque aquela preferência, que chegava ao ponto de esperarem que ela saísse de seu apartamento para voltar a ele logo em seguida ainda cheirando a outro? Que filtro possuía Idalina, que jeito ela dava no corpo para ser assim tão requisitada, bonita ela era, nova também, mas outras possuíam os mesmos encantos. Havia de desvendar o milagre de tanta sorte na prostituição.

Pois não era, Idalina se enchia de dinheiro, depositando as sobras na Caixa Econômica, quando muitas havia, que mal conseguiam para as despesas obrigatórias. E, além disso, não passava de uma menina triste, recolhida dentro de si mesma, como se não houvesse e nem quisesse amar.

Enquanto as demais se enfeitavam, perfumavam, e procurava exibir a máxima sensualidade, Idalina permanecia no seu cantinho com a timidez de uma virgem. Outras mulheres procuravam imitar os seus hábitos, mas sem resultado. É que nenhuma possuía aqueles olhos lindos e tristes que lhe davam uma expressão irresistível. Quem, por acaso já vira olhos mais belos e atraentes num rosto de mulher. E as companheiras chegavam a ter a impressão que Idalina deveria ser um demônio na cama. Só podia ser para enfeitiçar a todos. A inveja crescia e não adiantava procurar recanta-la.

A procura era a mesma. Sempre aquele – Vamos Idalina. E ela levantava-se com um sorriso feiticeiro e vitorioso.

No ato comportava-se como se fosse sempre a primeira vez. E como não descobriam o mistério daquela procura ansiosa, as companheiras resolveram aproximar-se de Idalina na intenção de alguma revelação daquele intrincado mistério nos seus amores.

- Não meninas, não tenho nada demais e nem faço nada de especial. Eu é que não sei por que sou tão assediada. Mas essa fase passa. Perguntem aos que me procuram. Vocês sabem que sou uma criatura triste, sem graça na vida. Aquele risinho que desprendo quando vou com alguém, é uma pura formalidade. Também seria impossível receber os amigos com secura total. Eles me pagam bem e tenho que me comportar como uma verdadeira amante. Se sou boa no quarto, só eles sabem. Cada uma usa os artifícios que podem e sabem. Um relacionamento, embora sem nenhum prazer, tem que ser agradável aos companheiros. Disso vocês sabem muito mais do que eu, uma quase estreante na arte de enganar os homens. Chego às vezes até a chorar, fingindo um prazer imenso e diabólico. Estou lhes confessando essas bobagens porque estarei pouco tempo mais nesta profissão miserável e suja. Já possuo economias para dedicar-me a outras coisas menos sórdidas. Por que tenho tido também sorte, não sei. E quero deixar de ser mulher de todo mundo antes que a sorte me abandone.

- E com tanta sorte, porque tens esse aspecto permanente de tristeza. Sempre fostes assim, ou isto é coisa calculada. Não há dúvida de que esses teus olhos tristes são encantadores, aliás, uma coisa estranha.

- E o que pretendes fazer. Largar tanta sorte por uma aventura qualquer.

- Nada disto. Não era triste assim. A tristeza veio depois. Esperem mais um pouco e contarei tudo. Quando eu estiver com as malas prontas e o dinheiro economizado na bolsa. Quando tiver a felicidade de pisar pela última vez os batentes de uma pensão de mulheres e não ter que ir para a cama com um desconhecido, fingir amor. Estou chegando ao fim do meu plano. Ninguém é triste porque quer. A tristeza entra nos olhos da gente como um ladrão, força a porta de um apartamento. Entra, leva tudo e deixa a casa vazia. Pois é. Entraram em minha vida e me esvaziaram. Só sobrou apenas esta mulher triste que conhecem. Pensei em suicídio até, mas a morte nada resolve. Morrer é covardia, medo de enfrentar a vida, mergulhar no nada. Ser enterrado numa cova fria e ali apodrecer como um fruto já bichado. Seria uma forma de fuga, mas uma fuga inútil e estúpida. Preferi enfrentar o mundo como ele é. E tive que tomar esta direção, talvez o pior, ou quem sabe, o que o destino ingrato me reservava para me pôr à prova. Descer até o último degrau da degradação humana, vender minhas emoções, o meu corpo, como se vende uma mercadoria deteriorada e esperando quem o queira a qualquer preço, sem ajuste, esperando pela generosidade do comprador. E o pior é que é uma mercadoria que muitas vezes se entrega com repugnância, com nojo do comprador, mas procurando agradá-lo sempre.

Como mulher de pensão, tenho sido feliz na infelicidade da profissão. Posso imaginar a amargura de algumas mulheres que além de tudo, ainda não tem sorte pelo menos para ter o suficiente às suas necessidades primárias. Criaturas que vão envelhecendo sem um níquel amealhado e na perspectiva de se apresentarem como mendigas ou simples piniqueiras em uma pensão qualquer de mulheres. Chega-se, assim, a estrema degradação social. Ser puta e nem mais isto poder ser, por que ninguém as quer mais.

Estou preste a abandonar esta profissão infame. Irei voltar para minha família, da qual me afastei para não a envergonhar. E não culpo ninguém por este acidente na minha vida.  Casei-me contra a vontade de todos. Casei fugida. Nasceu uma menina a mais linda criatura que já vi. Meu marido tornou-se estúpido e violento. Fugi dele. Agora sei que ele morreu de um colapso cardíaco. Procurava-me para vingar-se. Havia de liquidar comigo. E o fantasma da morte, me apavorava. Escondida aqui, mesmo assim tinha medo. E até antes de morrer, jurava acabar com minha vida.

Era odiento e irresponsável. Minha filha eu a deixei com minha mãe, onde ainda está. Se tivesse ouvido os conselhos de minha família, os seus apelos, suas advertências, não seria a Idalina que sou, esta moça triste que vocês conhecem, vivendo da prostituição, coisa que nem chega a ser uma profissão e se fosse seria a mais desclassificada de todas. Tenho hoje, no meu corpo marca abjeta de todos esses homens que me levaram a saciar os seus desejos. Marcas que não se desfarão nunca. Jamais senti prazer com nenhum deles. O bem querer que fingia cada vez que me procuravam, era uma nova ferida que não cicatrizava. Era apenas uma espécie de deposito onde se despeja liquido sujo dos prazeres dos outros.

Eu seria a Berenice dos anjos, aquela moça criada com mimo, de alma limpa e coração puro. Minha família, no meu entender, não sabia o que era o amor. E eu amava, inocentemente, um animal indomável e coiceiro. A estupidez chegava às raias da monstruosidade. Cada gesto era uma patada, cada palavra um coice. Fugi numa de suas ausências. Deixei as escondidas minha filhinha e uma carta à porta da casa de meus pais. E deixei uma amiga para me informar dos acontecimentos.

Enfim chegou o dia da sua liberdade daquele antro pernicioso.

- Vou despedir-me de todas vocês. Sejam felizes e que tenha um futuro venturoso.

Partiu de verdade. Ganhou o oco do mundo, para um lugar mais perto dos seus, até tomar chegada de novo.

A turma da pensão, logo depois recebeu uma carta da colega que agora era uma borboleta livre.

- Meu ex-marido morreu. Mesmo assim, talvez ainda me ande procurando para uma vingança. Mas estou aliviada e sem medo. Aquela minha tristeza era saudade de minha filha e medo de ser surpreendida a qualquer momento. Tudo poderia acontecer. Agora estou livre e não esta mulher de vida livre que vocês conheceram, mas, livre para abraçar e beijar minha filha, meus pais e manos. Nunca terão de saber que me prostitui. Antes de encontrá-los, vou me confessar para expurgar-me. Em casa serei uma ex-empregada doméstica. Mentir para não dar mais desgosto à família. Se souberem que levava esta vida miserável, nem me receberiam. E há quanto tempo não tem notícias minhas. Eu tenho deles. E pelo que sei, nem têm coragem de perguntar por mim.

E quando, por acaso falam, apenas uns olham para os outros em silêncio. Sinal de desapontamento e tristeza. Mas vou chegar lá com esses meus olhos tristes, e que tanto sofreram. Não irei fazer surpresa. Já escrevi para casa. Meu ex-marido não me faz mais medo, pois não tenho medo de alma do outro mundo. Paguei caro minha desobediência. Quem não ouve pai e mãe, sempre se dá mal. Eu estava cega, mas não estava mouca.

Quero um abraço de todas vocês. Perdoem-me e sejam felizes. Deixem esta vida suja quando puder. Creio que não nos veremos mais.

Adeus,

Berenice.

 

Obs.

O ácido caprílico é o nome usual dado ao ácido graxo de cadeia normal aberta homogênea formada por oito carbonos, também conhecido como ácido octanóico. É encontrado em sua forma natural nos coqueiros e no leite materno. Consiste num líquido oleoso, de gosto desagradável e rançoso, e que é pouco solúvel em água.

G.M.H

 

 

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

COMUNICAÇÃO

 

Bulindo nos meus alfarrábios, agora a noite, encontrei essa beleza de página dentro de um dos livros velhos e cansados, de tanto ser indagado pelos energúmenos como eu.

Recebi de Jaqueline, uma sobrinha psicóloga, moradora das terras dos marechais.  Ri e ainda hoje quando li, cai na risada sem poder parar. Por isso estou danando aqui no meu pobre Blog, para que vocês também se divirtam com essa pequena pesquisa feita pela Consultoria & Treinamento.

Nas vésperas da chegada do Papa, numa determinada empresa, o Presidente falou para os diretores.

- Amanhã dispensaremos o pessoal que quiser ver o Papa e compensaremos no próximo sábado.

Aí começou a confusão.

- Amanhã dispensaremos o pessoal que quiser ver o papa e compensaremos no próximo sábado – disse um dos Diretores para o chefe de Pessoal.

- Amanhã dispensaremos o pessoal do Papa e conversaremos no próximo sábado – falou o chefe de Pessoal para os Gerentes.

- Amanhã será dispensado o pessoal do Papa e a gente só no próximo sábado – disse um dos gerentes para o chefe de Seção.

- Amanhã será dispensado o pessoal a tapa e os que mentem só no próximo sábado – disse um dos chefes de Seção aos auxiliares.

 E um auxiliar para o continuo.

- Amanhã todo mundo sairá daqui debaixo de tapa. Ordem é ordem.

 

Relações Interpessoais

Cícera Nascimento

Facilitadora

(Ocorreu antes da visita do Papa a Maceió tempos atrás)

Grijalva Maracajá Henriques

 

 

 

 

 

 

 

 

domingo, 1 de outubro de 2023

DOMÉSTICA HUMILHADA

 

Doméstica humilhada

 

Lindalva, moça pobre, nascida numa pequeno arruado na beira do Rio são Francisco, hora e meia de lancha, rio acima, da cidade de Penedo nas Alagoas, queria ser gente, como se costuma dizer por aí. Vivia procurando aprender de um tudo. Recebia revisas, usadas de uma amiga que trazia da casa onde trabalhava. Capricho, Amiga, Contigo, Cinelândia, Sétimo Céu, Gente, Revistas do radio e tantas outras que aparecesse.  Pretendia ser uma moça da moda, atualizada, para quando fosse morar na rua, não passar vergonha.

Filha de pais exigentes e honestos. Criaram a filha como muito carinho e dedicação. Esperava que quando saísse da idade da boneca, arranjasse um bom casamento e desse prosseguimento ao mesmo ritmo de vida deles. Trabalhar em casa. Ser boa esposa e boa mãe.

Seu Berereu sempre dizia; - Minha filha, quero que você nos dê muitos netos, encha essa casa e nossa vidas com muitas alegrias.

Porém, Lindalva queria outra vida, cidade onde visse muita gente e conhecesse de tudo.

Pediu a Lurdinha que achasse um emprego para ela em Penedo, fosse de qualquer coisa, claro, mas que fosse honesto.

Num belo domingo recebeu a visita da amiga. Tinha certeza que trazia boas notícias.

- Nem te conto. Achei um lugar para trabalhar em casa de família. De um doutor, gente fina e rica. Acho que vai gostar do povo. Será que teu pai vai consentir? Acho muito difícil.

- Nega, vou inventar que quero estudar para ser professora, pois morando aqui não tenho como ir para a escola e trabalhando de dia a noite posso frequentar as aulas.

A peleja foi grande, dentro de casa, para convencer a família da nova vida que desejava viver na cidade.

Dia marcado para assumir o emprego desceu o rio na lancha Tupy que já vinha das bandas de Propriá. Lotada de beiradeiros que traziam suas mercadorias para vender na feira em Penedo. Esteiras feitas de taboa, bolsas de Ouricuri chamadas bocapiu, um bolo de nome má-casada, camarão saburica, pilombetas e rabo de jacaré salgadas, peças de barros da vila de carrapicho, frutas diversas e outros produtos da labuta desses comedores de farinha azeda.

De papel na mão com o endereço, Lindalva danou-se de ladeira acima a procura do Barro Duro, onde residia o tal do doutor.

Esse senhor de nome Alberto Siqueira Matos da Costa, era uma figura, como posso dizer: “subjetivamente classificado como mensoclítico, estrombólica, realpis, retombante, mediovagio, caviocárica, batráquio e estrogonoficamente sensível”. Repetindo ipsis litteris as palavras de um grande candidato a vereador da redondeza. No entanto não era doutor em nada, apenas um bom contador que saíra de uma vida simples e galgara uma posição social invejável. Subiu na vida levando também uma grande quantidade de arrogância, prepotência, bazófia, jactância, pedantismo e muita presunção. Os que não tinham muita aproximação com essa figura, os chamavam de Dr. Tolete. Era essa pessoa que a pobre da Lindalva ia trabalhar. Que Deus a protegesse!

Na casa da rua Getúlio Vargas, no número duzentos e vinte e três, Lindalva parou e receosamente bateu palmas. Uma, duas, três e quando ia mais uma vez chamar, uma voz lá de dentro gritou – Já vai!

Abriu-se a porta e apareceu uma moça muito elegante – parecida com aquelas das revistas que lia sempre.

- Pois não! O que deseja?

- Sou a moça que vem trabalhar aqui. Foi Lurdinha que trabalha aqui perto quem me mandou.

- Ah sim! Entre.

Ali começava o tirinete na vida da pobre moça. Humilhada, espezinhada, cobrada por tudo que existisse de errado na casa. Dormia pior do quer a Gata Borralheira, folga só uma vez no mês. A comida fornecida era a sobra da mesa. Contudo aguentava calada e obediente, não queria voltar com o rabo debaixo das pernas para casa. Esse martírio já tinha mais de seis meses e ela relutante sempre de cabeça baixa seguia seu destino, talvez sua vida se transformasse como nas revistas de novelas de repente.  Como nos contos onde um pretendente rico se enamorava de uma moça pobre.

Antônio Calazans, amigo, intimo e frequentador da mansão do dr. Matos, - era assim que queria que o chamasse. Um dia bebericando vinhos finos a beira da piscina, comentou cautelosamente com o amigo.

- Matos, essa moça que trabalha para vocês é muito prestativa, atenciosa, faz todos os seus mandados sem reclamar e sem se cansar. Acho que merecia um tratamento melhor de vocês. Só tratam com nomes pejorativos, gritando, xingando por qualquer demora no atendimento. Um dia ela não aguenta e vai embora e como se ver, está difícil arranjar outra assim com tempo integral.

Bebida vai e bebida vem, já meios amolengados pelo vício deixado por Baco, Dona Claudinete entrou na conversa e disse:

- É Calazans, você tem muita razão e eu já tenho conversando com Matos sobre isso. Ficar só tomando conta da casa eu não fico se ela for embora.
As outras nunca passaram mais de uma semana. O homem é muito abusado com as meninas.

Numa tomada inesperada e alcoolizada do patrão, resolveu mudar de ideia e acatar o pedido do amigo.

- Tá bom. Já que todo mundo está contra mim, vou aquiescer dessa vez. Chame Lindalva para a gente conversar sobre esse assunto. Empregado é empregado.

- Lindalva se aproxima dos patrões, já temendo mais uma enxurrada de nomes e pedidos urgentes.

- Minha jovem queria conversar com você diante dessas pessoas e que sejam também testemunhas. De agora em diante a gente vai manter um tratamento melhor com você. Acho que fui mesmo muito exigente, você sabe, chego do escritório aperreado com muitos problemas para resolver. Minha enxaqueca não me abandona nunca. Não paro de trabalhar. É um corre, corre, medonho. Queria lhe pedir desculpas e prometer que de agora em diante nunca mais vou lhe tratar com desdém. Você tem sido uma ótima companheira paras minha esposa, tomas conta da casa melhor do que todas as outras, por isso juro diante de todos que mudarei definitivamente meus abusos com você.

- Doutor Matos, reconheço tudo isso, sou uma pessoa necessitada. Saí do mato para vir estudar aqui em Penedo e como todo mundo saber que a vida não é fácil para se vencer. Jamais desistiria, mesmo sofrendo toda essa humilhação pelo senhor. Dona Claudinete sempre foi atenciosa comigo. Não chateava em nada. Tinha que resistir até onde meus nervos aguentasse e não endoidasse.

Queria também pedir desculpas ao senhor e jurar que nunca mais cuspirei e nem escarrarei dentro do copo da sua água de beber. Era um modo de me vingar do senhor. Não fazia por ruindade não, era apenas um modo de descontar.

 

Campina Grande 01 de outubro de 2023

Grijalva

 

 

 

 

domingo, 24 de setembro de 2023

 

Dia desse me lembrei do Bar do Relógio, lá da minha segunda “pátria”, Maceió. Que saudades!

Me lembrei porque li uma mensagem sobre a mulher; quando o marido chegava em casa e como devia prestigiar a querida esposa, depois de um dia e uma meia noite, no trabalho e na boemia.

Eu, Aldemaro Calheiros e Alfredinho, como de costume, de vez enquanto, com exceção do sábado e do domingo que era destinado aos fazeres compromissais das namoradas. Praias, cinemas e visitas aos parentes das pretendida para ver se éramos aprovados.

Eu e Alfredinho trabalhávamos, o Aldemaro, naquela época, falava sobre Cavalhadas, das suas vitórias e ensinado os bons manejos. Porém ao término do sol poente e fim do expediente cada qual tomava seu rumo. Eu assistia uma aula na Escola de Comércio de Maceió e apressadamente descia para o bairro do Poço atrás de uma morena bonita e bem feita, filha de um plantador e fornecedor de cana de açúcar, metido a rico e Semianalfabeto Tinha até piano na grande sala da frente. Foi aí que conheci o tal de Waldick Soriano que para deleite de todos cantou e tocou no danado do piano, que eu pensava que era só para enfeitar.

Aldemaro seguia atrás das suas paqueras. Alfredinho ficava por perto da Praça dos Martírios onde tinha um caso com uma das diversas namoradas.

Onze horas! Houvesse o que houvesse, os três periclitantes lisos e metidos a boêmios, largávamos tudo e seguíamos para o bar do relógio.

Local definido não sei por quem; ideal para o fim das noitadas dos notívagos e avulsos, prófugos, estroinas, temulentos e muitos mais eteceteras. Não sei em qual me enquadro.

A cachaça cantava por todos os lados. Violão, poesias, filosofias descritas por intelectuais já calibrados, dor de cotovelo. Era uma torre de babel da peste. Porém todo mundo se entendia. Ninguém saia de tomar umas, mesmo sem dinheiro. Ainda me lembro de um desses intelectuais que trazia o tira gosto de cenoura dentro do bolso do paletó.

O bar do relógio ficava na descida para a praia da Avenida, de lá se sentia o cheiro bom das águas espumantes do oceano atlântico como também erámos obrigado a ouvir a rádio Gazeta de Alagoas que por sinal era que determinava a hora do fechamento. Nos dozes badalares, o locutor danava Édith Piaf cantando Mea Culpa. Escutávamos empolgados e quando findava essa inesquecível música, o bicho do apresentador dizia:

- Vamos encerar nossa programação ao final dessa música, porém quando chegarem em casa dê um beijo no cachorro e um chute na mulher.

 Pronto estava encerrado a fase daquele saudoso encontro. Então fazíamos as contas para ver se dava para comer alguma coisa com mais sustança a caminho dos cabarés no velho Jaraguá. Era uma verdadeira festa aquela rua. Cheia de gente, boates em todos recatos; nas calçadas vendedores de tira-gosto, pipocas, e toda sorte de troço que a noite exigia; raparigas de segunda classe, bêbados e o diabo a quatro. As luzes cintilavam como chama para a orgia nas boates: Alhambra, Night and Day, Tabariz, São Jorge, as que me lembro. Marcávamos presença conversamos miolo de pote e subíamos em direção ao farol onde nos recolhíamos cansados, mas satisfeitos.

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

 

Hoje, 20 de setembro de 2023, meu pai estaria completando 120 anos, se não tivesse partido para outros sertões, a vinte anos atrás.

Para não esquecer que ainda continua vivinho da silva, segue abaixo mais um pequeno romance com cento cinquenta páginas, que será publicado logo mais.

 

PARAÍBA NOSSA TERRA NOSSA GENTE

 

João Henriques da Silva

 (In Memoriam – 20/09/1901 - 16/04/2003)

Escrito em 1986

 

Januário, estudante de direito, havia saído dos sertões das Espinharas e sempre pensando em voltar para sua terra, onde lhe havia enterrado o umbigo e desejava também que enterrassem os ossos. Era só terminar o curso e já estaria com o pé no caminho. Não conseguia adaptar-se ao ambiente sofisticado das cidades do litoral. E não era só. O clima mais úmido e aquele calor abafado das grandes cidades davam-lhe certo mal-estar. O bom mesmo era encher os pulmões com os ares do sertão, conviver com a natureza virgem, ter diante de si vastos horizontes. Tinha saudades do badalar dos chocalhos, das acauãs, dos gaviões peneira pendurados no espaço, e das jandaias e graúnas a cantarem nas copas dos carnaubais. Nunca mais tinha visto o sol nascer e nem se pôr na fímbria do horizonte. As ruas estreitas e compridas, o casario escondendo a visão e o mundo, aquela gente desconhecida indo e vindo apressada com quem está fugindo de alguma coisa, causava-lhe medo e desalento. E o pior de tudo é que ninguém compreendia ou aceitava o seu apego ao sertão. Aquilo era coisa de matuto que não se encontrava com a civilização. E daí advinha às discussões quase sistemáticas com os colegas que, afinal de contas, só conheciam o sertão através dos jornais que noticiavam os horrores das secas e o cangaço, dos antigos sertões sem rodovias, sem açudes, arrebentados pelos longos verões, ignoravam tudo.

Januário ouvia, já sem comentar, histórias que faziam do sertão, uma terra arrasada pelo próprio homem, que devastou as primitivas matas e afugentou as chuvas. Terra de gente indolente e atrasada. Por todos os seus males, o homem era o responsável. Não podia entender aquela facilidade de afirmações, originadas de quem jamais tivera a preocupação de pesquisar as causas do subdesenvolvimento da região.

 

terça-feira, 29 de agosto de 2023

 

Pedro Careca

 

Existia na cidade de Sumidouro, um pouco longe, um pequeno bodegueiro que nunca ia para frente nos seus negócios. Porém nunca desistia. Dizia que era mau olhado ou algum trabalho feito para acabar com seu negócio. Era desses cabras que acreditava em tudo que lhe dissesse. Só vivia na picuinha.

Bodega de três portas estreitas como comumente são essas casas do interior ou do tempo antigo. Tempos passados, tinha sido uma farmácia homeopática do seu Florentino, homem metido a todos os afazeres que lembrasse doença ou saúde.  Havia herdado o ponto de um tio que o criara, num tempo de seca medonha, quase abandonado pelos pais que não possuía meios para criar mais um bruguelo.

Na frente da bodega, entre uma porta e outra, nunca faltava três potes com arruda, pinhão roxo e espada de São Jorge. Dentro da desarrumada e meio suja mercearia, não faltava uma vela de sete dias, acesa tendo como castiçal uma lata de tinta toda borrada pelo escorrimento da cera, formando uma verdadeira estalactite colorida; porque para cada santo que oferecia tinha uma cor diferente; a vela ficava trepada numa prateleira numa certa altura e no canto esquerdo para evitar que os ventos ou os olhares estanhos a apagasse.

Lá para os fundos ficava sua morada, oficina e depósito das mercadorias que nunca vendia. No quintal um pé de tamarindo, bananeiras, latas cheias de terra com mudas de ervas para chá e mau olhado. O cachorro Pereba, sempre zangado e impedido de ir para frente, latia com todos que entrasse no comércio do seu patrão.

Pedro Careca, era um homem de altura média dos nordestinos, alvo, barriga acentuada que impedia de afivelar o cinturão. Camisa aberta ao peito, apenas abotoado pelo último botão, calça arregaçada como se tivesse passado nalgum riacho. Nos pés um par de alpercatas de sola e na cabeça, para encobrir a carecona, um tipo de boné jogado à toa sobre os restos de cabelos grisalhos.

Vendia de tudo, ou pelo menos tentava. E nas horas vagas ou sem freguês, coisa que acontecia sempre, fabricava bugigangas. Do abano até candeeiro de flandres aproveitado de latas de óleo. De madeira, fazia carrinhos, mamulengos, porta toalhas. De barro, fabricava um bocado de utensílios para cozinha e até cachimbo.

Bastava alguém chegar perguntando se tinha tal objeto para vender ele dava logo uma resposta plausível. Tá para chegar semana que vem. Metia a ideia na cabeça e ia fabricar a tal peça. A pessoa nunca mais voltava para procurar o objeto e o estoque aumentava cada vez mais.

Algum dia aparece um filho da égua que goste disso, - dizia sempre que se lembrava da encomenda esquecida.

A bodega se enchia de trastes inúteis; se esvaziava de freguês e de dinheiro.

A cidade se espichara e a pobre bodega foi ficando para trás. Ontem era uma das ruas principais, hoje era arrabalde. Por isso na vendia quase nada. Bairro das pessoas mais longe do dinheiro.

- Bom dia seu Pedro, como vão as coisas?

- Não sei por que pergunta, seu Lourival – este tinha sido realmente criado pela vó *. Não tá vendo a grande freguesia, não?

- Ave maria, não precisa me morder não, homem!

- Todo dia me vem com a mesmice besteira de saber da minha vida e do meu negócio, como quisesse ajudar ou fazer algum milagre. 

- Não homem de Deus, não é que essa noite tive um sonho com o senhor e sua fábrica de peças. Coisa engraçada, via direitinho tudo o que vou lhe contar. O senhor contratava um magote de meninos e mandava de um em um perguntar pelas outras mercearias da cidade, se tinha, - vamos supor: cachimbo de barro; já que o senhor tem uma grade quantidade. No outro dia mandava outro menino fazer as mesmas perguntas nas mesmas casas e as mesmas pessoas, aconselhava que desse preferência ao dono ou gerente. Depois de uma semana o senhor arranjava um cabra mais vistoso e mandava oferecer a cuja dita mercadoria. No sonho via que vendia todos os seus inventos e as coisas, na sua vida, ficavam uma maravilha!

- Ou homem besta, vá pra lá com esse teu sonho de ilusão.

- Pois tá bom se não acredita vou desparecer noutro canto onde sou mais aceitável.

Essa noite Pedro Careca não dormiu, só pensando no sonho do Lourival. Será que dava certo, ou ia só se lascar de raiva e ainda por cima ter que pagar a molecada para mentir. Passou uma semana e a ideia continuava a perseguir para onde andasse ou pensasse.

Foi até a Rua do Emboca, que ficava por trás do seu prédio, e chamou seis meninos entre oito a dez anos para uma conversa na sua casa comercial logo depois do almoço.

- Bem, hoje é segunda feira quero que vocês todos os dias dessa semana saiam à rua procurando todas as mercearias ou outros tipos de comércios que vendam as coisas parecidas com as da minha loja.  Não saiam juntos, tem de ser separados um dos outros para ninguém desconfiar do que vou pedir para fazer. Hoje mesmo vão procurar nesses pontos de venda se tem esses artefatos que produzo. Na volta darei a cada qual dois reais.

Pedrinho, diga que foi seu pai, tio ou avô que mandou saber o preço de cachimbo de barro.

Zezinho, vai perguntar se tem abano de palha feita do milho para sua mãe.

Abel, pergunta quanto custa cofre de barro.

Chiquinho, vai se interessar por pegador de brasa.

Adelmo, saia a procura de fogareiro de lata de querosene.

Júca, que é o mais velho, diz que quer aprender tocar berimbau.

Podem passar nas mesmas lojas não tem importância. Todos os dias façam a mesma coisa, a mesma conversa, porém, vão trocando os tipos de objetos entre vocês para os donos das bodegas não desconfiarem.

Duas semanas desse rojão com a meninada, achou que já era tempo de mandar um vendedor oferecer seus produtos encalhados.

Contratou Dioclecio, que já tinha trabalhado na padaria de seu Germano e vendido pão e bolacha pelas ruas na bicicleta de três rodas. Montou um carro feito de banda de geladeira, com todas as bugigangas do seu estoque, danou uma buzina de borracha cromada que tinha tirado da velha bicicleta e mandou o sujeito ganhar o mundo oferecendo nas mesmas lojas que os meninos já tinham passado.

Seis horas da noite, chega de volta o Dioclecio na porta da Casa São Judas número 13, onde encontra seu Pedro sentado num tamborete pé de priquito, ansiosamente a espera do seu vendedor.

Quando viu a carroça meio vazia, perguntou:

- Foi roubado?

- Não senhor, vendi quase tudo. Vamos fazer as contas.

Nunca mais deixou de inventar seus piquaios e nem parou de usar o método do sonho de seu Lourival. Vivia arrodeados dos meninos, seus secretários e o seu vendedor preferido. Nunca mais faltou dinheiro para todos que trabalhavam no serviço de divulgação e venda do Empório do Careca.

 

25/08/23

Carijalva

 

 

*(Quando pulou da barriga - escritor pobre sai da barriga e não da cabeça as ideias -, o nome de Lourival, me lembrei dessa música cantado por Linda Batista no ano de 1945 de autoria de Marabá.)

 

O Lourival sempre foi abobalhado.

Dele até eu tenho dó.

Sabe por que

Ele é assim, minha gente?

Porque foi criado com vó. (bis)

 

O Lourival sempre foi assim,

Cheio de dengo, cheio de mágoa.

Toma café e depois de algum tempo

Ele pergunta:

"Vovó, eu posso beber água?"

 

Pode, pode, pode, Lourival!

Beber água não faz mal! (bis)

 

 

 

sábado, 24 de junho de 2023

3º CADERNO DO AGRICULTOR

 

3° - CADERNO DO AGRICULTOR

CAÇAS E CAÇADAS

Agroº. João Henriques

 

            Creio que todos estão percebendo o desaparecimento mais ou menos rápido de nossas espécies de animais silvestres. Aliás, não poderia ser de outra formar se não respeitamos as determinações do Estatuto da Caça e Pesca, que fixa a época das caçadas. E o objetivo da lei é justamente impedir que se matem os animais na fase de reprodução, evitando, pelo menos assim, que as espécies desapareçam, como já aconteceu com algumas em certas zonas. As emas, os veados, as perdizes e codornas, as pacas, os urús, as seriemas, os jacus, os tatus verdadeiros e outros animais úteis, já se tornaram raridades em muitos lugares ou mesmo não mais existem. E nas zonas onde ainda são encontrados, a perseguição é constante, tendendo também a exterminá-los. Torna-se, por isso urgente, inadiável, por em execução o Código de Caça e Pesca, como medida de proteção à nossa fauna silvestre. E não se justifica de forma alguma essa exploração desregrada de nossos mais belos recursos naturais. E não é razoável e nem justo que depredemos as riquezas naturais e deixemos como herança aos nossos descendentes, uma natureza espoliada, dilapidada, arrasada.

Há os que caçam para se alimentar e aqueles que o fazem por simples esporte, como uma diversão, para mostrar a perícia da pontaria. E por esses esportes detestáveis, pagam os inocentes animais, que vivem nas selvas e nos campos, sem nos dar preocupação e, ao contrário, muitos deles de grande utilidade à agricultura.

O hábito de caçar nos veio dos tempos primitivos quando a agricultura ainda não existia ou era rudimentar. O homem vivia da caça, da pesca e de outros recursos naturais, então abundantíssimos. Os processos de caça, porém, eram também rudimentares e resumiam-se a armadilhas e as setas dos índios, impotentes para a exterminação das espécies. A espingarda, porém, da qual há quem possua coleção, é rápida e mortífera, indo buscar ao longe, ora correndo, ora no voo.

Data: Num pretérito, muito passado.